A DELIBERAÇÃO CEE Nº 111/12,que fixa as Diretrizes
Curriculares Complementares para a Formação de Docentes para a Educação
Básica nos Cursos de Graduação de Pedagogia, Normal Superior e
Licenciaturas, oferecidos pelos estabelecimentos de ensino superior
vinculados ao sistema estadual.
quinta-feira, 7 de junho de 2012
MOÇÃO DE REPÚDIO A DELIBERAÇÃO DO CEE Nª 111/2012
A Congregação da FEUSP, em sessão
de 31 de maio de 2012, aprova a MOÇÃO DE
REPÚDIO à Deliberação do CEE nª
111/2012 encaminhada pelas professoras: Tizuko M. Kishimoto, Monica A.
Pinazza, Maria Letícia B. P. Nascimento , Patrícia D. Prado e Márcia Gobbi.
Este
manifesto construído coletivamente
repudia a medida imposta pela deliberação CEE n° 111/2012, que contraria os direitos das crianças
pequenas à educação de qualidade ao rebaixar o nível de exigência da formação
de seus profissionais. Sabemos que
avanços e retrocessos têm marcado a história da educação infantil no Brasil.
Avanço expressivo encontra-se na Constituição Federal de 1988 e LDBEN, de 1996,
com a incorporação da educação infantil
de 0 a 6 anos no sistema público de ensino, a formação dos profissionais
do ensino básico em nível superior e a
garantia a todos de uma educação de qualidade. Contudo, medidas recentes, como
a adoção da obrigatoriedade de 14 anos de ensino (4 a 17 anos) , tendem a
deixar de fora as creches, excluindo-as
da educação infantil, o que é contraditório em relação aos próprios textos
legais. Percebe-se claramente, a
tendência a não tratar a educação das crianças de 0 a 3 anos como a primeira
etapa da educação infantil.
As políticas públicas insistem em
desconsiderar os dados de pesquisas que indicam a importância do cuidado e da
educação da pequena infância, especialmente de crianças na faixa de 0 a 3 anos e onze meses, para assegurar a educação de todo ser humano.
Prova disso é a desatenção como tratam um texto como o da Deliberação CEE No.
111/2012, que fixa Diretrizes Curriculares Complementares para a Formação de
Docentes para a Educação Básica nos Cursos de Graduação de Pedagogia, Normal
Superior e Licenciaturas, oferecidos pelos estabelecimentos de ensino superior
vinculados ao sistema estadual. O texto
revela, pelo menos, dois grandes equívocos: contradiz o que reza a LDBEN no.
9394/96 com respeito à formação para professores da educação infantil ( creche
e pré-escola) e refere-se à creche
como modalidade educacional, a exemplo
da educação especial, e não como etapa da educação básica.
Essa
medida contraria a tendência mundial de garantir a formação em nível superior
de todos os profissionais da educação básica.
Professoras de meninos e meninas de 0 a 3 anos e onze meses de idade em creches foram excluídas dessa
medida fragmentando a Educação Infantil ( 0 a 5 anos e 11 meses)
, vista como a Primeira Etapa da Educação Básica, o que é nefasto para a
conquista de uma educação infantil de qualidade.
Como
não nos indignarmos diante deste retrocesso?
Estamos diante de propostas que caminham na contramão de concepções que
acreditam nas crianças como sujeitos de seus conhecimentos e em constante
interação com o mundo, construindo-o. Isso exige profissionais atentos,
sensíveis, com formação adequada, contrariando a Deliberação CEE Nº 111/2012
que supõe formação aligeirada para profissionais que atuarão com crianças de 0
a 3 anos e onze meses.
Contraria-se
aqui a perspectiva de propostas de formação docente que desconsideram a
conquista legal do direito à educação desde o nascimento, determinado na
Constituição Federal de 1988 e na legislação subseqüente, que implica
orientações sobre o espaço físico e mobiliário, alimentação, brinquedos, livros
e materiais diversificados, em ações de acompanhamento, implementação e
manutenção de políticas públicas, investimento em pesquisas e valorização e qualificação da formação
inicial e continuada de profissionais. Destaca-se a necessidade de propostas integradas de
formação de professoras para a educação infantil de forma não excludente,
segmentária, etapista.
Destaca-se
a Constituição Federal brasileira (CF),
de 1988, e o Estatuto da Criança e do
Adolescente (ECA), de julho de 1990, que em consonância com movimentos
internacionais, asseguraram à criança e ao adolescente, com absoluta
prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à
profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à
convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de
negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão (Art.
227 da Constituição; Art. 4° e Art. 5° do ECA).
Dentre
os direitos assegurados pela Constituição Federal consta o direito ao atendimento de meninas e
meninos em creches e pré-escolas, ou seja, o direito ao acesso à educação desde
o nascimento, incluído nos Arts. 205 e 208 da seção Da Educação. No primeiro, o
direito à educação foi estendido às crianças com idade entre 0 e 6 anos por
inclusão, uma vez que a Carta afirma ser a educação direito de todos. O segundo
reafirma o dever do Estado para com a educação dessas crianças e considera
creches e pré-escolas instituições equivalentes: “O dever do Estado com a
educação será efetivado mediante a garantia de [...] atendimento em creche e
pré-escola às crianças de zero a seis anos de idade” (BRASIL, 1988).
Entre
1994 e 1996, a Coordenação Geral de Educação Infantil (COEDI), da Secretaria de
Ensino Fundamental (SEF), do Ministério da Educação e do Desporto (MEC)
publicou a Política Nacional de Educação Infantil, um conjunto de documentos
que buscava a superação da dicotomia educação/assistência, explicitando
objetivos, diretrizes e linhas de ação prioritárias para o segmento, para a
garantia do direito da pequena infância a uma educação de qualidade. Em um de
seus princípios norteadores merece destaque o item da especificidade da
educação infantil e da formação de professoras da educação infantil, um aspecto
que diferencia a educação infantil do ensino fundamental e que requer uma
formação diferenciada para seus profissionais.
No
ano de 1996, foi aprovada a Lei de
Diretrizes e Bases da Educação Nacional, Lei 9394/96, que apresenta a
Educação Infantil como etapa inicial da Educação Básica, anterior ao Ensino
Fundamental e ao Médio. Ao lado do direito da criança de 0 a 6 anos a
freqüentar creches e pré-escolas, e do dever do Estado em proporcioná-las (Art.
4°, Inciso IV), a LDB afirmou sua não obrigatoriedade, além de explicitar que
seria submetida a “padrões mínimos de qualidade de ensino” que, por sua vez,
seriam operacionalizados“ por variedade e quantidade mínimas por aluno, de
insumos indispensáveis para o desenvolvimento do processo ensino-aprendizagem”
(Art. 4°, Inciso IX). ALDB, em seu Art. 4º, reitera que a educação escolar
pública é de responsabilidade do Estado e garante que as crianças de 0 a 6 anos
serão atendidas de forma gratuita em creches e pré-escolas. À Educação Infantil
foi conferida a finalidade de, em complemento à ação da família e da
comunidade, promover o “[...] desenvolvimento integral da criança até seis anos
de idade, em seus aspectos físicos, psicológicos, intelectuais e sociais"
(BRASIL, 1996, Art. 29). Para tanto, as crianças com até 3 anos deidade devem
ser atendidas em creches ou entidades equivalentes e as de 4 a 6 anos em
pré-escolas (Art. 30).
O
Conselho Nacional de Educação, no final de 1998, estabeleceu as Diretrizes Curriculares Nacionais para a
Educação Infantil (Parecer CEB n° 022/98), em que claramente a primeira
infância é percebida em articulação com diferentes linguagens e culturas, com
suas famílias e comunidade, em ambientes lúdicos em que aprendizagens ocorram
em consonância com suas características sociais, étnicas, raciais, culturais e
econômicas, em que o ambiente escolar não tenha características propedêuticas.
A perspectiva romântica, segundo a qual bastava gostar de crianças para estar
com elas profissionalmente, necessita ser constantemente problematizada. Seus
profissionais requerem tratamentos iguais aos demais presentes em outras etapas
da educação.
Destacamos
que, em 2000, integrando o movimento de regulamentação da Educação Infantil no
país, foram estabelecidas as Diretrizes
Operacionais para a Educação Infantil, que esclarecem a vinculação das
instituições de Educação Infantil aos sistemas de ensino e tratam da proposta
pedagógica e Regimento Escolar, da formação de professores e outros
profissionais para o trabalho nas instituições de Educação Infantil e dos
espaços físicos e recursos materiais para a Educação Infantil. O documento
aponta que a política nacional para as crianças de 0 a 6 anos deve ser feita
com o apoio e a participação de todos os segmentos da sociedade, envolvendo
Ministérios, Secretarias e Conselhos Estaduais e Municipais, Conselhos
Tutelares, Juizados das Varas da Infância, associações e organizações da
sociedade civil.
A
Política Nacional de Educação Infantil, de 2006, vem acompanhada dos documentos
Padrões de Infra-estrutura e Parâmetros
de Qualidade para a Educação Infantil,
os quais recomendam: práticas pedagógicas de natureza
colaborativa, com envolvimento de crianças, professoras/es, pais, comunidade e
outros profissionais; a elaboração de planos de educação pelos estados e
municípios em consonância com a Política Nacional de Educação Infantil; oferta
do mínimo de 4 horas de atendimento
educacional e a progressiva oferta de tempo integral; divulgação de iniciativas
inovadoras , reflexão coletiva sobre a prática pedagógica e a participação
coletiva nos processos de avaliação das políticas públicas.
A
Resolução Nº 3, de 3 de Agosto de 2005, do Conselho Nacional de Educação
- Câmara de Educação Básica, define normas para ampliação do ENSINO
FUNDAMENTAL COM 9 ANOS DE DURAÇÃO (6 a 14 anos) e
traz impactos para a Educação Infantil, que se restringe então à faixa etária
de 0 a 5 anos de idade. As crianças de 6 anos passam a pertencer ao segmento do
ensino fundamental, mas permanece a indicação fragmentada de que as creches
destinam-se às crianças de até 3 anos e pré-escola, de 4 e 5 anos – o que
intensifica ainda mais a necessidade emergente de integração entre a Educação
Infantil e o Ensino Fundamental, a partir da formação de profissionais da
infância.
As Diretrizes Curriculares para o
curso de Pedagogia, em seu Art. 2, define a formação inicial para o exercício da docência na Educação Infantil e anos
iniciais do Ensino Fundamental; nos cursos de Ensino Médio, na modalidade
Normal, e em cursos de Educação Profissional na área de serviços e
apoio escolar, bem como em outras áreas nas quais
sejam previstos conhecimentos pedagógicos (Resolução CNE/CP Nº 1/2006). Os cursos de formação de professores
configuraram-se, a partir de então, pelo aligeiramento da formação (como o
Normal Superior e os cursos de formação à distância), num distanciamento entre
as necessidades reais das escolas, das crianças e de suas famílias, e de
profissionalização docente e não-docente.
Por
fim, em consonância com o Plano Nacional
de Educação, de 2001, e com as diretrizes da Política Nacional de
Educação Infantil, de 2005, o documento Parâmetros
de Qualidade para a Educação Infantil, publicado pela a Secretaria de
Educação Básica/MEC, com o intuito de “estabelecer padrões de referência
orientadores para o sistema educacional no que se refere à organização e
funcionamento das instituições de Educação Infantil” (vol.1, p.8), recupera
especificações relevantes já anunciadas em disposições legais como é o caso das
Diretrizes Curriculares Nacionais de Educação
Infantil, instituídas pela Resolução CNE/CEB no. 1 de 07/04/1999, que
têm caráter mandatório para todos os sistemas municipais e/ou estaduais de
educação. Nessas disposições reitera-se, por exemplo, a indicação do número de PROFESSORAS/ES por crianças, desde os
bebês de 0 a 2 anos, as crianças de 3 anos, até as de 4 a 6 anos, assumida no
documento Parâmetros de Qualidade (vol. 2, p.36). Observada
essa sugestão, fica evidente a necessidade de as políticas públicas respeitarem
as especificidades de atendimento em creches, instituições dedicadas aos bebês
e às crianças menores, sem, contudo, deixar de englobá-las como instituições de
Educação Infantil juntamente com as pré-escolas, classes e centros de Educação
Infantil. (vol. 1, p. 35).
Uma vasta produção de conhecimento sobre os dilemas e perspectivas no
campo da formação de professores ainda não foram apropriadas pelas políticas
públicas, desde o governo Lula, no período 2002-2005, e ainda vivenciamos o
embate entre as demandas das entidades e dos movimentos sociais e as ações do
governo em continuidade às políticas neoliberais do período anterior, e uma
enorme retração na participação dos movimentos na definição das políticas
educacionais, orientadas sim pelas soluções “de resultado” que impregnam as atuais
políticas de avaliação da educação básica, impedindo a projeção de uma formação
dos profissionais da educação situada no campo das contradições e das lutas por
justiça social e igualdade de direitos, para lidar com a formação atual das
novas gerações e com as exigências sociais de emancipação (Freitas, Educação & Sociedade, v. 28, n. 100,
out/2007).
Dessa forma, as soluções dos problemas relativos à formação das
professoras da Educação Infantil articulam-se com a possível e devida
apropriação, pelo Estado, dos resultados dos estudos dos pesquisadores e
pesquisadoras que têm orientado educadores e educadoras, seus movimentos e
entidades no debate sobre os princípios, fundamentos e construção de novos
processos formativos e de qualificação, indispensáveis para a educação das
crianças desde a creche, considerando o direito a diferentes manifestações
expressivas, a experiências que relacionam artes e diferentes culturas
vivenciadas e criadas pelas meninas e meninos cotidianamente, o que exige
formação especifica e rigorosa de seus profissionais e não redução da mesma a
serviço do apressamento e da desconsideração da especificidade do trabalho com
crianças pequenas .
Acreditamos que a base das políticas educacionais
brasileiras deveria ser a formação profissional,
de qualidade, em nível superior, para toda educação básica, garantindo, também, às crianças pequenas de 0 a 3 anos e onze meses o direito à educação de qualidade e seu espaço na Primeira Etapa da Educação
Básica como assegura a Constituição e a LDBEN 9394/96 .
O
MANIFESTO É UM REPÚDIO À MEDIDA IMPOSTA PELA DELIBERAÇÃO DO CEE Nº 111/2012.
FACULDADE
DE EDUCAÇÃO DA UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO
São Paulo, maio de 2012.
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